Teoria como prática

Dia desses, estive lendo e assistindo a algumas entrevistas de Adorno. Sempre me chamou a atenção a questão dos conflitos entre ele e os estudantes, em 1968, quando foi duramente questionado e como isso o afetou tão profundamente.

Eu queria olhar um pouco mais para isso, porque ali parece ter havido uma ruptura. O diálogo deixou de ser possível, porque os motivos de cada qual não eram mais compreendidos. Seria apenas o conflito de gerações?

Os estudantes esperavam de Adorno outro tipo de comportamento, um engajamento prático, concreto, ir para a linha de frente na batalha pelas reformas curriculares, o que significava aderir à violência nas manifestações de insatisfação. E foram violentos com ele, ao confrontá-lo com palavras de ordem e ridicularizações finalizadas com três estudantes com os seios a mostra – o que o levou ao cancelamento das aulas.

Além de conceder entrevistas, ele escreveu a Marcuse sobre isso. A tristeza era visível. Seu argumento não era aceito. Talvez, nem compreendido. Morreu pouco tempo depois.

Propor a teoria como práxis costuma ser entendido, em nossa cultura, como pontificar sobre qualquer tema, desde o conforto da torre de marfim. A teoria que se não converte num como fazer não tem valor, numa sociedade de consumo.

Até hoje, diversos críticos dos frankfurtianos se apegam a esse ponto: “eles não apontam saídas”.

Sim. Eles apontam uma saída: a educação, o conhecimento, o pensamento crítico, a autorreflexão. A autonomia do pensamento é uma forma de emancipação. Ao ser capaz de pensar a realidade, articulando conceitos, enxergando as contradições, podemos identificar quanto de adaptação é necessário, que emancipação é possível. Daí a bildung, como apropriação subjetiva da cultura.

Quando nutro o pensamento desfruto de alguma liberdade. Posso fazer algumas escolhas fundamentadas. Não é algo que se atinja mediante diplomas ou títulos. Sem conhecimento, no entanto, tampouco é possível avançar muito.

Os frankfurtianos evitaram estabelecer modos de fazer e metas, a não ser assumir vivamente que a barbárie deve ser evitada para que Auschwitz não se repita. Mas a instalação desse princípio é difícil… Auschwitz continua se repetindo nas pessoas que vivem em situação análoga à escravidão, nas pessoas que são expulsas do chão em que nasceram, migrando pelo mundo, aos milhares, buscando fugir das impossibilidades, buscando sobreviver; sobrevive nas pessoas que cultuam o individualismo, que veem o outro como natureza a ser dominada.

Auschwitz também sobrevive em outros tantos não querem pensar. Fixados na lógica da ação pragmática, cristalizam preconceitos de todo tipo. Que práticas podem resultar disso?

Rosemary Roggero

Desde que me conheço por gente, sou interessada pelo ser humano. Desenvolvimento, consciência, comunicação, relações sociais, cultura. Enfim, formação. Ler, lecionar, pesquisar, orientar, escrever são tarefas cheias de prazer. Participar da formação de pessoas é uma honra. Até porque estou incluída. Em formação. Sempre.

2 thoughts on “Teoria como prática

  • 15/02/2021 em 20:43
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    A Teoria Crítica aponta para a necessidade da formação humana preocupada com o esclarecimento e não com a educação para a adaptação. Aqueles que dizem que a Teoria Crítica não apontou caminhos são aqueles que não conseguem conceber a ideia de emancipação.

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  • 28/02/2021 em 18:11
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    Rose querida, o seu texto me reportou minhas preocupações com a formação pragmática da docência no Brasil, especialmente na Escola Básica em sua pseudo construção de uma “escola para todos”. Nesse modo de formar as teorias são, artificialmente, colocadas como divorciadas das práticas, que, paradoxalmente, se assumem como a única forma de alcançá-las.
    Mais que objetos de consumo, compostas pelas práticas, as teorias se assemelham ao senso comum. Resumidas e utilitaristas servem para reproduzir discursos vazios sobre o desenvolvimento e a aprendizagem humanas, vizinhos dos preconceitos e nunca tornados conceitos, obscurecendo o contraditório na realidade contemporânea.
    Dessa forma, há quarenta anos se formam professores no Brasil em imensa quantidade para suprir o mercado docente que a promessa da escola para todos gerou, mas distante das teorias, na crença no seu espontâneo surgimento das práticas, repetem Auschwitz num fazer alienado que nem sequer reconhece a barbárie que representa.

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