O parque, a minhoca e as pessoas…
Nos finais de semana, enquanto olho pela janela, vejo uma enorme estrutura com centenas de pedestres caminhando, correndo e passeando com seus cachorros, familiares, amigos e desconhecidos em meio a um espaço rígido, frio e desértico de concreto. Penso, por meio desse horizonte de “quadro vivo”, a respeito das reflexões “Adornianas” e da teoria crítica sobre a sociedade, e me permito lembrar de um fragmento de Bruno Zevi, sobre a estética arquitetônica: “A censura funciona para os filmes e para a literatura, mas não para evitar escândalos urbanísticos e arquitetônicos, cujas consequências são bastante mais graves e mais prolongadas do que as da publicação de um romance pornográfico.”
Diversas discussões a respeito desta estrutura de concreto armado, que percorre a extensão de 3,5 Km na cidade, ocorreram ao longo dos últimos anos. A tal estrutura “pornográfica” foi inaugurada na década de 70, durante a ditadura militar pelo réu ex-prefeito Paulo Maluf.
O elevado “Presidente João Goulart”, indiscutivelmente nunca foi uma unanimidade do ponto vista arquitetônico e social. Curiosamente, a honrosa menção ao “Ex-Presidente” converge a um período histórico e político de arranjos militares e fragilidade econômica que vivemos, ops.. que vivíamos.
A ressignificação da estrutura ocorreu primeiramente a partir da mudança do nome, aliás, a expressão pelo qual a população o chama atualmente, trata-se de um apelido carinhoso que faz referência a sua longa e charmosa extensão esguia. Tá aí, o que chamo de ressignificar capítulos históricos.
O elevado, hoje, é conhecido popularmente pela expressão “Minhocão.” Mas, afinal de contas, o que um anelídeo tem a ver com uma estrutura de concreto armado? Pelo aspecto biológico, nada. Já pela perspectiva social daquele que o analisa pelo horizonte da janela, há algumas características similares. Sim! ainda me refiro a minhoca e sua estrutura física. Por meio da segmentação presente em seu corpo, noto de maneira análoga à estrutura, similaridades também presentes no aspecto social que percorre o concreto e sua extensão. E que me permite discutir seus aspectos sociais, por meio de similaridades análogas a sociedade e a biologia do animal.
O corpo dessa estrutura é composto por segmentos sociais, indicadores econômicos e arquitetônicos. Um dos anéis que compõem o corpo desse anelídeo de concreto é o social.
Sua existência invalida as relações, pretere o indivíduo e acentua um cenário de vulnerabilidade social em seu entorno e principalmente sob sua estrutura. Inicia-se em Perdizes, percorrendo um conglomerado de bairros, dentre eles, Higienópolis, aprofundando em seus segmentos, a matriz social de uma estrutura que apaga e deslegitima as relações com a cidade.
Por outro lado, vemos os indicadores econômicos que preferem os automóveis, especulam o mercado imobiliário e invalidam a implantação do parque no local, uma vez que, sua existência desatende os interesses de empreendimentos distantes dali. Nesse mesmo corpo composto de segmentos, notamos a arquitetura como instrumento de resistência. Afinal, quando se entende que a sociedade é um organismo vivo, compreende-se que nesse espaço a arquitetura também existe e resiste.
A reflexão não deve ser apenas sobre a estrutura física que ocupa espaço na cidade, afinal, próximo ou distante dali, também encontraremos exemplos na cidade de ruas, avenidas e espaços que precisam ser ressignificados. A diferença é que em outros exemplos, não encontramos anelídeos de concreto armado, no qual depositamos a culpa pela degradação e negligência do poder público ao seu estado físico e social. É por isso, que devemos pensar na Arquitetura para pessoas. O parque e o minhocão não são apenas lugares, são as pessoas.
