A FÁBRICA DO SUJEITO NEOLIBERAL
A FÁBRICA DO SUJEITO NEOLIBERAL
Resumo: Podemos observar na educação do mundo contemporâneo uma busca incessante por técnicas inovadoras que possam dar conta das constantes mudanças às quais estamos submetidos no cotidiano neoliberal. Tais técnicas e fórmulas na educação e na vida profissional são aparentemente dotadas de boas intenções. Contudo a que ter um cuidado com as armadilhas e jogos de dominação que engendram controle e adaptação ao capitalismo da sociedade atual que deixa nenhum ou quase nenhum espaço para o desenvolvimento da subjetividade. O texto tem como referência a obra A nova razão do mundo de Pierre Dardot e Christian Laval (2016) onde os autores retratam o sujeito neoliberal que mostra como as pessoas são moldadas e configuradas a serviço do neoliberalismo.
Dardot e Laval em sua obra A Nova Razão do Mundo apresentam o conceito do homem neoliberal.
Para os autores o neoliberalismo produziu mudanças nas relações humanas que foram desencadeadas por uma nova economia como efeito das relações de mercado, relações políticas e sociais democráticas e capitalistas onde tudo gira em torno do lucro máximo. Neste mundo novo, o homem precisa se apresentar de forma competitiva e individualista, como forma de sobrevivência e adequação às exigências da sociedade neoliberal.
O novo mercado propõe a produção da felicidade e do bem estar centrada no consumo. Na nova economia o homem é governado por prazeres e dores, onde a lei dos esforços e resultados determinam quem vai rir ou chorar.
O neoliberalismo precisa fabricar homens uteis, dóceis ao trabalho e dispostos ao consumo. Assim o fator humano se concentra no novo poder, engajamento diante da cruel busca para garantir seu espaço, seu status social. Isso faz com que o sujeito trabalhe para as empresas como se fosse para si mesmo.
Dardot e Laval salientam que esse processo é tão profundo que faz com que o sujeito se converta em uma empresa pessoal. Assim está posto o cúmulo da alienação. O desejo do sujeito é o desejo do outro. Trazem o concepção da “governamentabilidade neoliberal” que, conforme desenvolvido por Foucault diz sobre o governo das almas. O autor explicou que quem governa sempre governa os indivíduos e exerce controle sobre estes. Por sua vez os governados estão submetidos à obediência que conduz indivíduos e a coletividade por meio da doutrinação da lógica neoliberal que está centrada na busca acumulação monetária e enriquecimento para o consumo.
Na racionalidade neoliberal o sujeito se apresenta como capital humano. Ele maximixa seus esforços em busca de resultados, se expõe a riscos e assume responsabilidade pelo fracasso.
A empresa passa a ser lugar de realização pessoal, bem-estar material, sucesso individual e prosperidade geral da população.
Para os autores, esta é uma forma eficaz de sujeição em que, mais uma vez, o trabalhador é visto como simples mercadoria.
A concepção da neogestão no neoliberalismo surge com o aumento da sensação de risco pelas mudanças e instabilidades. Isso exige maior disponibilidade e comprometimento do indivíduo que deve estar apto a suportar as condições que são impostas, o que gera uma reação em cadeia de empreendedores com características que se baseiam na flexibilidade, maleabilidade e criatividade.
O individualismo também é um traço forte do homem neoliberal inserido num espaço de forte competição, busca por aprendizagem contínua e fortalecimento.
O sujeito neoliberal tem comprometimento em buscar competência, desempenho motivar-se a satisfazer o cliente/consumidor – que ele também é – e expande esta visão a todas as áreas da vida.
Tudo em sua vida depende da maneira como se governa. Elabora estratégias adequadas para transformar-se continuamente, busca formação para toda vida, é um homem que faz a si mesmo visando a uma ideia de realização pessoal, sucesso, provar o próprio valor, ter controle de si; as metas da empresa são as metas do sujeito. Nesta lógica, cada sujeito é uma micro empresa.
A empresa não os quer ver apenas como empregados, são pessoas com objetivos em desenvolver-se na vida. Seu trabalho é um empreendimento. Sendo assim, a responsabilidade pela gestão do trabalho é do próprio individuo, mesmo que a empresa não seja sua. Mas a empresa que ele é, sim.
A lógica do neoliberalismo faz com que tudo na vida do sujeito seja pensado como empresa: vida familiar, rede de contatos, educação, e isso desde a infância com a ideia de “criança empreendedora do saber”. A participação de todos na ideologia empresarial começa desde a mais tenra idade.
Novas pedagogias tem sido implementadas com discursos que reforçam o comprometimento com o neoliberalismo. Na educação infantil a narrativa é para que se ensine a criança conteúdos onde ela possa fazer por si mesma não dependendo do professor. Assim é mais importante ao aluno desenvolver um modo de descobrir e elaborar a construção do conhecimento.
A criança deve ser preparada para enfrentar os desafios, desenvolver empatia, saber lidar com suas emoções, ser colaborativa e capaz de enfrentar novos desafios, ou seja, a educação infantil neoliberal traz de forma implícita a lógica que visa preparar os crianças para que se tornem no futuro indivíduos que sirvam para uma sociedade em acelerado processo de mudança e consumo e que assumam engajamento e responsabilidade pela manutenção desta sociedade.
De acordo com Dardot e Laval (2016, p.331), o discurso gerencial prega que “Ser bem sucedido na carreira é ser bem sucedido na vida”.
Para engajar-se ainda mais na cultura da sociedade neoliberal o sujeito busca por mecanismos que propiciem seu desenvolvimento e adequação às novas exigências mercantis através de diversas técnicas como coaching, PNL, análise transacional ou até mesmo de gurus, com a promessa de domínio de si mesmo, das emoções, das relações interpessoais, tornando-as todas relações positivas, fortalecer o eu e apresentar saberes psicológicos, conhecer melhor a si mesmo e estabelecer uma comunicação adequada compreendendo os jogos sociais.
A PNL como exemplo, promete tornar o sujeito mais eficaz e conhecedor de si mesmo, confiante e produtivo. Assim este sujeito assume plenamente o domínio de si. Transforma-se em um indivíduo mais produtivo em si como célula de um todo que é a empresa, a empresa como modelo de sociedade.
A manipulação é imposta com lemas sutis de ser empático síncrono, positivo, aberto a tudo, ou seja, um sujeito adaptável às circunstâncias da lógica do sujeito empresa.
Isso nega a subjetividade implícita na máxima que faz crer que o sujeito que detém esse perfil será perfeito para a empresa e para a sociedade, dando continuidade ao processo que tem como foco o capital.
Considerações finais: Dardot e Laval ao apresentarem o conceito do sujeito neoliberal ressaltam a lógica que atinge diferentes setores sociais e reforça a forte marca da sociedade neoliberal que tem por alicerce o capital e obriga o sujeito a se adaptar às suas exigências como forma de sobrevivência. Assim, quem não compreender e se submeter a este jogo de controle acaba por não ter espaço para inserir-se adequadamente ao processo de alienação imposto pelo neoliberalismo. Este é quase um jogo sem saída, pois sendo o capital “a nova razão do mundo”, a não adaptação demanda um sofrimento ainda maior.
Talvez essa reflexão desperte certa indignação ou até a total revolta por desvelarmos a realidade. Entretanto podemos pensar sobre mudança para sociedade primeiramente com o afastamento da ignorância como um primeiro passo em direção à transformação emancipação.
REFERÊNCIAS
DARDOT, Pierre e LAVAL, Christian. A Fábrica do Sujeito Neoliberal In:A Nova Razão do Mundo: Um ensaio Sobre o Neoliberalismo. São Paulo: Editora Boitempo. 2016. p. (316 – 370)