Pequena reflexão acerca da lógica neoliberal
Certa vez, num perfil do Instagram que tratava de educação infantil, vi um post que convidava mães para contarem nos comentários alguma história engraçada que haviam vivido com seus filhos pequenos. Num dos comentários, uma mãe relatava que foi chamada à escola de sua filha de seis anos. A professora chamou a mãe para uma conversa séria, para informar que sua filha havia dado as respostas da prova para sua colega do lado. A mãe interrogou a filha sobre o motivo pelo qual a menina havia feito isso, ao que ela disse: “Eu não sabia que não podia ajudar! “.
Este relato rendeu muitas risadas nas redes sociais, mas eu, como uma recém estudante da sociedade neoliberal não pude apreciar essa “pérola” da infância de maneira leve. Entristeceu-me observar um momento em que a lógica neoliberal, na qual a nossa sociedade está organizada e que impõe a tudo e todos a norma da concorrência (Dardot, Laval, 2016,p.372), foi apresentada ou reforçada àquela pequena menina. Vi aquele relato retratando um momento de “boas vindas” ao mundo neoliberal: onde você pode ser e ter tudo aquilo que desejar se fizer por merecer, caso contrário, esforce-se um pouco mais; onde você precisará competir com todos à sua volta para conquistar o seu lugar; onde seu sucesso será medido pelo seu desempenho, e então você como sujeito livre e autônomo, se entregará ao máximo em suas múltiplas atividades; onde você será uma empresa de si mesmo que deve se autogerir e se responsabilizar por seu sucesso ou fracasso em toda as áreas de sua vida.
É no mínimo desconfortável este processo de se perceber num contexto tão sombrio e, mais do que isso, perceber a si mesmo como um sujeito empresa que se relaciona consigo e com o próximo na lógica neoliberal, atuando muitas vezes como um carrasco de si mesmo e dos outros, que se entrega completamente à sua atividade profissional e seus papeis sociais levado pelo desejo de consumo e realização pessoal, a ponto de chegar a doenças psíquicas, como ansiedade, depressão e Síndrome de Burnout, ou até mesmo ao colapso. Este processo de compreender a mim mesma e a sociedade em que vivemos sob a luz dos autores frankfurtianos só está no início. A isto estamos nos dedicando em nosso grupo de pesquisa da teoria critica. Mas, no ponto em que estou, já foi possível compreender que a consciência e o esclarecimento são passaportes para emancipação da condição em que estamos. Ainda temos a nós mesmos! É possível encontrar formas de vivermos neste mundo sem nos adaptarmos totalmente a cultura neoliberal atuando na manutenção desta lógica.
Em nossa casa e trabalho é possível fazer diariamente escolhas, reflexões e questionamentos, individual e coletivamente, que vão na contramão da logica neoliberal e nos (re)aproximam de nós mesmos e dos outros, valorizando e fortalecendo nossa humanidade. Valores como como colaboração, cooperação, respeito, dignidade, lazer, artes, criatividade, descanso e saúde ainda são necessários e intrínsecos ao ser humano; nada que fira estas necessidades pode ser institucionalizado como natural. Manter-nos conscientes num mundo que quer dominar nossas mentes (Dardot, Laval, 2016, p.320) é uma forma potente de resistência à adaptação total à cultura e ao sofrimento. Através da tomada de consciência do que acontece em nós e no mundo, podemos começar a vislumbrar outras alternativas e possibilidades de ser e estar nesse mundo, começando assim a transformá-lo.
DARDOT, P.; LAVAL, C.. A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal. São Paulo: Editora Boitempo, 2016. 402p.