Segurança, conscientização e cultura nas instituições de ensino
O conceito antropológico de cultura engloba uma gama bastante complexa, e inclui o conhecimento, as crenças, a arte, a moral, a lei, os costumes, capacidades e outros hábitos adquiridos pelo homem como membro da sociedade, assim, existem diversas dimensões de cultura.
A Cultura Escolar está relacionada ao comportamento, normas, questões didáticas, conteúdos e outros fatores particulares de uma determinada instituição de ensino. Segundo Teixeira (2002), a cultura da escola, se tratada como construção da unidade escolar, acrescenta uma perspectiva que situa o estabelecimento de ensino no contexto social, econômico, político e cultural que influencia na construção permanente dessa organização. Seu estudo é de grande importância para compreender o estabelecimento de ensino e sua formação, além das interações sociais que ocorrem no interior da escola. Pode-se perceber elementos da Cultura Escolar na arquitetura, no mobiliário, nos materiais didáticos, nos equipamentos de segurança e outros itens. As instituições educacionais constituem um espaço singular, onde se realizam trocas simbólicas e de comunicação determinadas pelo Estado e pelos grupos sociais que estabelecem os padrões organizacionais e cada uma delas criará sua cultura específica.
De acordo com Dinsmore e Cabanis-Brewin (2009), a cultura organizacional, também chamada de cultura corporativa, pode ser definida como a distinção que uma organização possui das demais, expressa por meio de valores, normas, cerimônias, políticas internas e externas, atitudes, expectativas e outros atributos que são compartilhados por todos os membros da organização. Para Kannane (1995), a cultura organizacional possui três dimensões (material, psicossocial e ideológica) que são dependentes entre si. A dimensão material vai tratar das relações das pessoas com o ambiente organizacional, a psicossocial se refere às relações entre as pessoas da organização e a dimensão ideológica aborda a relação das pessoas com as normas e os valores da organização. Por meio da cultura organizacional são determinadas as características únicas de uma organização, sejam elas positivas ou negativas. Segundo Freitas (1991), a existência de diversas culturas aponta um papel ativo dos membros da organização na transformação da Cultura Organizacional. Na dimensão material a Cultura Organizacional vai tratar das relações das pessoas com o ambiente organizacional, a parte psicossocial se refere as relações entre as pessoas da organização e a dimensão ideológica aborda a relação das pessoas com as normas e os valores da organização. Por meio da Cultura Organizacional são determinadas as características únicas de uma organização, sejam elas positivas ou negativas. Segundo Freitas (1991, p. 89), a multiplicidade de culturas existentes na organização evidencia que os líderes, em conjunto com os demais membros exercem papel participante na geração de valores e normas de comportamento que são compartilhados pelo grupo e na transformação da cultura organizacional.
Para Teixeira (2002), a liderança exercida pelos gestores constitui um papel fundamental no modo como a cultura organizacional é formada e modificada. Assim, o processo de mudança implicará em quebra das resistências, ou seja, a desconfiguração de informações e a criação de satisfações psicológicas que abrem espaço para mecanismos que permitam o desenvolvimento de novas concepções. As reações de resistência mostram as limitações impostas às formas de gerenciamento da cultura organizacional e as possibilidades de mudança, isso indica uma relação entre a cultura da organização e sua estrutura. Se essa relação se manifesta a favor da preservação das estruturas, mostra que há uma cultura organizacional forte; se ocorrer surgimento de contradições, aponta para uma cultura organizacional fraca.
Nas instituições de ensino, também encontramos uma derivação da Cultura Organizacional que é a Cultura da Segurança, sendo um fenômeno social que está diretamente relacionado às percepções individuais de comportamento e ações compartilhadas dentro de um grupo inserido em um determinado contexto organizacional. Quando os gestores não se consideram responsáveis diretos por assumir a promoção da segurança e saúde no trabalho, estão demonstrando a falta de Cultura da Segurança na instituição. A Cultura da Segurança trabalha com a prevenção e a conscientização sobre a Higiene, Saúde e Segurança do Trabalho. De acordo com a International Nuclear Safety Advisory Group (1991), no seu surgimento, a Cultura de Segurança era caracterizada como o conjunto de características e atitudes das organizações e indivíduos que estabelece como prioridade questões de segurança em plantas nucleares. Posteriormente, esse conceito foi estendido para diversas áreas e plantas industriais. O surgimento do conceito de Cultura de Segurança ocorre após uma abordagem de fatores organizacionais na análise do acidente da usina nuclear de Chernobyl, em 1986, na Ucrânia, na qual o relatório realizado concluiu que erros e violações de procedimentos contribuíram para o acidente, denunciando a deficiência da Cultura de Segurança na planta da usina.
Freitas (1991, p.19) afirma que a cultura organizacional é constituída de uma homogeneização das maneiras de viver e pensar a organização, atuando como um instrumento disciplinador interiorizado por seus membros que dispensa o controle externo, por meio de uma introjeção positiva de igualdade que omite e anula as reflexões. O esclarecimento sobre as questões de segurança precisa ser ressaltado para não favorecer a dominação que se dá também no campo da cultura, diversos casos de acidentes demonstram a dominação, falta de emancipação e a falta de Cultura de Segurança das pessoas diante de elementos que apresentam risco como o fogo, a radiação, a eletricidade, etc.
A Teoria Crítica da Escola de Frankfurt, com que trabalhamos, prevê uma educação voltada para uma consciência autêntica e para a emancipação. A proposta de uma educação crítica e emancipatória tem como base a reflexão sobre as contradições encontradas na sociedade administrada, que age com base em padrões comportamentais preestabelecidos, que não favorecem a humanização, porque são pautados pela lógica do capital.
Deste modo, a educação é vista por essa corrente de pensamento como uma forma de esclarecimento realizada por meio de uma conscientização crítica necessária ao enfrentamento da dominação. Para isso, a formação deve apresentar uma proposta pedagógica e emancipatória, capaz de superar a semiformação enquanto forma dominante de uma falsa consciência, imposta pela sociedade administrada. A formação cultural e a educação crítica são elementos de combate à semiformação e à exploração. Assim, a educação é considerada como um instrumento capaz de emancipar a consciência e a sociedade.
Adorno (2003) aponta para uma cultura democrática, na qual os privilégios são repartidos entre todos e a condição de vida desumana não pode ser tolerada. A conscientização consiste no ato de tomar consciência e refletir sobre um determinado assunto, neste contexto, em sua obra, trabalha a consciência vinculada à emancipação e ao pensar em relação à realidade, ideias que podem ser aplicadas à Cultura da Segurança, por meio de uma conscientização social que está diretamente relacionada as percepções individuais de comportamento e ações compartilhadas dentro de um grupo inserido em um determinado contexto organizacional, visando à saúde e à segurança coletiva.
Para Adorno (2004), quando se fala em cultura também se fala em administração, pois, desta forma, são estabelecidos padrões para a organização da cultura. Segundo Adorno (2009, p.14), falar de cultura sempre foi contra a cultura, já que, ao designarmos a cultura, a estamos classificando no reino da administração, por isso este conceito de cultura é plenamente adequado à administração industrializada.
Adorno (2005) apresenta o duplo caráter da cultura, a adaptação à vida real e a autonomia do sujeito, pois o processo de emancipação tem como requisito a formação cultural, como possibilidade de conscientização, em que o indivíduo se reconhece em seu contexto histórico-cultural e busca sua transformação, percebendo a não conformidade das condições existentes e abrindo novas perspectivas para mudanças. Assim, a formação cultural pode exercer o papel de transformar a sociedade, que está representada por meio de valores culturais dominantes que proporcionam um ambiente inseguro, ocasionado pela semiformação, que contribui para um processo persistente de dominação na formação cultural da sociedade.
Embora, culturalmente, no Brasil, muitas questões de segurança sejam negligenciadas, é inadmissível a exposição do público de uma instituição de ensino ao risco, pois saúde e segurança são direitos sociais fundamentais e obrigatórios de acordo com a Constituição Federal de 1988. Nos casos de incêndio, por exemplo, todos, sem distinção, podem ser atingidos pelo fogo, de forma incontrolável, e sofrer graves consequências, caso a prevenção correta não seja realizada. Recentemente, ocorreram casos de incêndios em instituições de ensino no país, como: Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (2018), Laboratório de Análise de Alimentos da Universidade Federal de Goiás – Campus Samambaia (2018), Instituto do Coração da Universidade de São Paulo (2019), Instituto Federal do Acre (2019), Museu de História Natural da Universidade Federal de Minas Gerais (2020), Reitoria da Universidade Federal do Rio de Janeiro (2021) e Colégio Poliedro de Itaporanga – SP (2021).
A liderança exercida pelos gestores públicos e educacionais constitui um papel fundamental no planejamento de recursos de segurança. Cabe aos gestores o senso crítico e o empenho para assumirem a responsabilidade pelos programas de Segurança e Saúde no Trabalho, e aos profissionais da área colocar em prática as exigências legais, que quando não realizadas com competência trazem diversos prejuízos aos interesses da coletividade. Porém, para obter o êxito na prevenção de acidentes, é importante a participação democrática de todos, para que todos possam ser beneficiados. Independentemente da necessidade legal, o respeito à vida também é feito de boas práticas preventivas. Neste sentido, para Adorno (2009, p.16), aqueles que creem possuir superioridade em relação aos outros, têm o seu senso crítico e competência banidos por presunção, enquanto a cultura democrática reparte seus privilégios entre todos.
A conscientização para a prevenção e segurança deve ser aplicada a todos, juntamente com a implantação de um sistema eficaz de segurança do trabalho, não sendo essa uma conscientização de classe, mas uma conscientização colaborativa que não exclui nenhum indivíduo, em que todos têm a mesma importância visando o bem comum.
A formação cultural pretendida nas instituições de ensino deve ser baseada em uma conscientização contra a insegurança no ambiente escolar de forma esclarecida, que fomente o potencial emancipatório e que forneça as bases de como agir em casos de acidentes e incidentes.
REFERÊNCIAS
ADORNO, Theodor Ludwig Wiesengrund. Escritos Sociológicos I. Madrid, Espanha:
Editora Akal, 2004.
ADORNO, Theodor Ludwig Wiesengrund. “Educação – Para quê?”. In: Educação e Emancipação. 3a Ed. São Paulo: Paz e Terra, 2003.
ADORNO, Theodor Ludwig Wiesengrund. Indústria Cultural e Sociedade, 5 edição. São Paulo: Paz e Terra, 2009.
ADORNO, Theodor Ludwig Wiesengrund. Teoria da Semicultura. Rondônia: Editora
Universidade Federal de Rondônia, 2005.
DINSMORE, Paul C.; CABANIS-BREWIN, Jeannette. American Management
Association – Manual de Gerenciamento de Projetos. Rio de Janeiro: Editora Brasport, 2009.
FREITAS, Maria Ester de Cultura Organizacional, Formação, Tipologia e Impactos. São Paulo: Makron, 1991.
INTERNACIONAL NUCLEAR SAFETY ADVISORY GROUP. Safety Series n. 75-
INSAG-4, IAEA, Vienna, 1991.
KANNANE, Roberto. Comportamento Humano nas Organizações. São Paulo: Atlas,
1995.
TEIXEIRA, Lúcia Helena Gonçalves. Cultura Organizacional e Projetos de Mudança em Escolas Públicas, Campinas, SP: Autores associados, 2002.